domingo, 17 de abril de 2016

Mestre Azulão, um salpicar de luz

      


No tempo de vovó moça,
Ela ouviu de algum parente
Que existia uma vela,
Para cada um vivente
E quando a chama  apagava
Pra ‘esse’, a hora chegava,
A vela é a vida da gente.

Dizia que aquelas velas
De variados tamanhos,          
Cada vela era uma vida,
Por este mundo em rebanhos...
Se apagando onde ela estava,
Era um finado, eu pensava,
Nos meus pensares estranhos!

Eu ouvi muito essa estória
Contada por minha avó
Nunca eu entendi direito
A sala sem caritó,
Pois ela ascendia vela,
Sempre no caritó dela;
Meu juízo dava nó!

E desse jeito eu cresci
Sem entender o enredo
Já se passaram os anos
Eu continuo tendo medo,
Minha vó hoje é finada,
Na sala é vela apagada
Não desvendei  o segredo!

E novamente a ideia
Aflorou no meu pensar
Vendo os amigos que partem
Eu me pego a perguntar:
– Qual  o tamanho das velas,
Pequenas grandes, qual delas,
É a primeira a se apagar ?
 
No rol das velas acesas
Sala grande espaçosa
Tremulava ali a vela,
Luzidia tão vistosa,
E um dos mais veteranos
Tremulou nos desenganos
Com  elã no verso e glosa!

Nesta luminosa sala
Uma brisa quase vento
Chegou  apagando a vela
Deixando o cordel cinzento
A chama um tanto discreta
Era a vida de um poeta,
Que sempre mostrou talento!

Eu falo de um menestrel
Que a vela se apagou
Mas um salpicar de luz
No sidéreo se alastrou
Foi na terra um vaga-lume
Que clareou o pretume
Pelas ‘noites’ que passou!

Foi Cabaceiras que deu
No ano de trinta e dois,
Nosso José João dos Santos,
Azulão, só bem depois,
Tomou de certa maneira
Esta alcunha até faceira;
Quando o finado a depôs!

Foi de Sebastião Cândido
Cantador Pernambucano,
Que morto em quarenta e cinco,
José João sem traçar plano
Adotou logo esta alcunha
Que o destino lhe propunha
Vestir no cotidiano!

Veio pro Rio de Janeiro
No fim dos anos quarenta
Abancou-se em Japeri
É  isso que ele sustenta
Pois aumentou a idade
Pra ganhar a liberdade
Mas trouxe a ferramenta.

Visitando São Cristóvão
Conheceu um conterrâneo
Que egresso do nordeste
Era seu contemporâneo
João Gordo sobre uma esteira
Vendia coisas na feira
No comecinho espontâneo!

Num quase “não sei se eu queira”
Assim foi que viu nascer
Em São Cristóvão a feira
E foi mesmo sem querer
Na senador Alencar
Com  arvore a sombrear
O  João Gordo a vender!

Trabalhou na construção
De servente de pedreiro
Ajudou construir prédios,
Carecia do dinheiro;
Porém o que ele queria
Era cantar poesia
O  seu sonho verdadeiro!

Versando ele nos ensina
O que vem a ser cordel;
Antes eram folhas solta
A produção no papel
Feitas em quatro ou dez
Os versos dos menestréis
Em análise mais fiel!

Um bardo de rica verve
Atento, o Mestre Azulão,
Cantou numa lira boa
A lira do coração,
Porém ponteou viola
Tirando de sua cachola
Setilhas de gozação!

Intriga, ação e romance,
Além de cantar mistério,
Canta o heroísmo e o drama
E quando o assunto é sério
Jornalista, ponto a ponto,
Arruma deixando pronto
Neste caso sem  ditério.

Nunca exerceu magistério 
Porém foi bom professor,  
Da cultura popular
Foi maior divulgador;
O Mestre foi grande Aedo,
E  repentista de enredo,
Um exímio cantador.

Cantou nas feiras da vida
Pedindo auxilio as musas
Ponteando sua viola
Não tinha verves confusas
Com seu estro afinado
Sempre que desafiado
Jorravam rimas profusas!

Nunca foi bobo da corte
Gozador por natureza
Tirava sarro dos outros,
Em pelejas com destreza
Se humor era o assunto
Azulão chegava junto
Sempre com delicadeza!

Cantou sobre tudo mais,
Datas comemorativas
Sobre figuras históricas
Histórias apreensivas
Tragédias do mundo inteiro,
Falou de corno e dinheiro
De maneiras efusivas!

E da mulher brasileira
Falou de algumas Raimundas,
Destacou protuberâncias
Que elas trazem nas bundas
As tornando atraentes
Nesses versos diferentes
De suas ideias fecundas!

Falou sério das doenças
Citando promiscuidade
DSTs principais
Que assola a humanidade,
De vícios e tabagismo,
Sem nenhum preciosismo
Falou com propriedade.

Cantou a fome e a guerra,
As  mazelas que ela deixa
Condenou Bin Laden  Bush
Dos vilões fazendo queixa
Na época dos atentados
Criticando os potentados...
Tornando-os muar e guexa!

Brincou de ser cordelista
Escrevendo em bancada
Contou estórias incríveis
Toda ela bem narrada
Falou da coisa possível
A qualquer um  acessível
Estória bem amarrada!

Dava aula de cordel
Declamava poesia
Ministrando conferências
Daquilo que mais sabia;
Com frequência, procurado,
Nunca se fez de rogado
A  sabença dividia!

Brasileiro apaixonado,
Nordestino de raiz,
Divulgou nossa Nação
Do jeito que sempre quis;
Sua obra é estudada
Em faculdade avançada
La na França em Paris.
 
Lá dele encontramos tudo
E tudo sobre o cordel
Eu falo aqui da Sorbone
 A informação é fiel
Pois quem levou filme e voz
Orgulhando a todos nós
Foi o professor Cartel!

Além da França as Américas,
Fala e faz exposição,
O cordel é divulgado
Até mesmo no Japão
Creia quem me disse isto
Eu garanto e aqui insisto,
Quem disse foi Azulão!

Pois ele foi aos “States”
Pra  divulgar seu cordel
No centro de Nova Iorque
Fez bonito o seu papel
Cantou para brasileiros
 Mesclado de estrangeiros,
Foi aplausos,  seu laurel!

Deixou pra nosso deleite
Entre romance e folhetos
Trezentos ou mais cordéis
Um primor esses livretos
Todo assunto nele é rico
Pois é com eles que fico,
Inda que sejam panfletos!

Zeloso como ele era
É fácil de se salvar
Se lhe fez bem essa verve,     
Antes mesmo do cantar;
Leia então os seus versos,
Veja que não são dispersos
Arraigando o versejar.
Deus lhe dando a luz do estro
O vate e quase maestro
Rol do bem foi completar!

Zé Salvador.
São Gonçalo, 16-04-2016.

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